15 dezembro, 2024

Você está disposta(o) a perder?

       Tudo na vida envolve ganhos e perdas. A decisão de morar fora do Brasil, obviamente, também está incluída nesse binômio. E, se você está decidido a arrumar as malas, se despedir das pessoas e partir para o mundo, acredito que os ganhos superem as perdas dessa escolha.

        Mas, e se eu te disser que, muitas vezes, o que se perde é maior do que você imaginava? Não há manual ou receita que te prepare para todas as perdas envolvidas no processo de dizer adeus às suas raízes existenciais. Assim como ninguém consegue descrever exatamente como é a experiência da maternidade, o mesmo acontece com a migração. É claro que o preparo — fundamental para ser uma boa mãe ou um(a) imigrante consciente — ajuda, mas ele não cobre tudo.

       Não há como se preparar para os primeiros dias em um novo país, quando seu senso de direção não existe e todos os caminhos parecem levar a lugar nenhum. Não há preparo para o frio que faz doer as extremidades. Não há preparo para dirigir na mão contrária. Não há preparo para ouvir várias vezes a mesma frase (mesmo que seja em português), não entender e perder a coragem de dizer: "Por favor, você pode repetir?" (e isso poderia ser em diferentes idiomas!).

     Quando chegamos a Portugal, estávamos afetados pelo fuso horário, pelo estresse emocional do desapego, das despedidas e da ansiedade. A primeira semana em solo lusitano simplesmente se apagou de nossas memórias. Não lembramos dos lugares que visitamos, onde comemos ou o que compramos. A experiência de vivenciar algo extremamente novo e angustiante foi tão intensa que nossas primeiras vivências aqui não se fixaram como memória de longo prazo. Foi um fenômeno coletivo: nossas lembranças desse período se perderam no meio das preocupações com a falta de utensílios de cozinha, de comida, de roupas e da localização geográfica. Esse tempo se tornou cinza, cinzas, branco para nossa família.

      Ninguém está pronto para perder. Para alguns, isso significa a perda de contato com as pessoas que amam. Para outros, o desligamento de um emprego satisfatório. Há quem perca a capacidade de se comunicar, e muitos perdem a liberdade — seja financeira, emocional ou ambas. E todos, sem exceção, perdem um pouco do reconhecimento de si mesmos. Para viver esses novos momentos, será necessário que outras características suas (re)apareçam. E, muitas vezes, você não se reconhecerá em algumas situações.

        Poderíamos falar dos ganhos da decisão de explorar o mundo e sair da zona de conforto. Mas hoje escolhi falar das perdas, porque são elas que deixam marcas neste momento.

       É possível se preparar, inclusive emocionalmente, para uma mudança de vida. Psicólogos interculturais ajudam pessoas a construir um caminho mais maduro para o processo migratório. E as dores das perdas podem — e devem — ser trabalhadas em terapia, buscando uma ressignificação diante de uma nova experiência existencial. Contudo, a pergunta sobre o quanto você está disposta(o) a perder deve surgir. No processo migratório, as perdas podem ser menores que os ganhos, mas reverberam com uma intensidade até então desconhecida.

        E aí, o quanto você está disposta(o) a perder para poder ganhar?

Um comentário:

  1. Adorei Priscilla Falar de perdas é desafiador. Requer coragem inclusive! As perdas deixam marcas e aprendizados realmente. Migrar para um outro País, significou para mim deixar 47 anos de vida para trás. Hoje após 5 anos e 5 meses, percebo que grande parte de mim também ficou pra trás, Hábitos, por exemplo. O Japão é um lugar fora da curva. Precisei buscar no meu DNA a bússola dos meus antepassados para poder criar uma nova versão de mim mais resiliente do que nunca.

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