02 fevereiro, 2025

Recomeçar a vida no exterior é viver inúmeras "primeiras vezes"

Na semana passada, finalizei meu curso online de Psicologia Hospitalar, algo que nunca havia feito antes. Foram 10 anos em sala de aula, ministrando disciplinas sobre o tema em vários semestres. Planejar a estrutura de um curso remoto, condensando o conteúdo em pouco tempo, foi um desafio. Mas essa primeira vez me trouxe a alegria de um novo começo na docência, ainda que à distância.

Desde que me mudei, vivi muitas primeiras vezes: experimentei a "francesinha" (prato típico do Porto), fiz a leitura da luz e do gás sozinha, caminhei sem medo por parques públicos, aprendi a valorizar o sol do inverno e a importância dos dias ensolarados. Pela primeira vez, não paguei escola para minha filha, descobri novos lugares apenas passeando pela cidade onde moro e senti aquela sensação de novidade no cotidiano. Também viajei para outro país em poucas horas (fomos a Sevilha), precisei me adaptar à numeração diferente de roupas e calçados e me acostumar a viver sem meus livros por todos os lados.

É curioso perceber que a vida não se resume à rotina que nos acostumamos a seguir. A sensação de descoberta, quase como a de uma criança diante do novo, traz uma certa magia para a experiência migratória. Mas nem todas as primeiras vezes são encantadoras. A primeira vez sem ver seus pais por tanto tempo, a primeira vez que não entende o que as pessoas dizem, mesmo compartilhando a mesma língua, a primeira vez enfrentando a burocracia de um novo país, sem saber onde está exatamente no mapa. A primeira vez sem carro, temendo dirigir em um trânsito diferente, a primeira vez precisando economizar mais porque não há rede de apoio, a primeira vez sem encontrar seus produtos e remédios favoritos, sem saber onde cortar o cabelo... e tantas outras.

Esses pequenos recomeços fortalecem, mas também geram insegurança. Diante de tantas primeiras vezes, será que é possível ser feliz? É viável abrir mão de tudo o que foi construído subjetivamente para reinventar uma nova vida?

Não sei a resposta. Ainda estou trilhando meu caminho de recomeço. Mas acredito que o propósito que nos faz encerrar um ciclo é o mesmo que nos impulsiona a viver novas experiências. Estou disposta a recomeçar, a descobrir e a construir, mais uma vez, uma nova velha vida.

26 janeiro, 2025

A importância de encontrar um grupo para chamar de seu

Hoje estive em um encontro de psicólogos que vivem no Norte de Portugal. Foi a primeira vez que estive com outros colegas de profissão em outro país. Passamos horas falando de nossas histórias, dificuldades e alegrias em um lugar onde a Psicologia enfrenta seus entraves e desafios.

Ser psicólogo é, muitas vezes, um ofício solitário. É estar presente e acolher o sofrimento do outro, mas sem ter com quem dividir suas próprias angústias. Soma-se a isso o fato de ser imigrante e ter deixado para trás a sua rede de apoio: amigos cultivados por uma vida inteira, colegas de trabalho de diferentes lugares, ex-professores, ex-alunos, supervisionandos... Um grupo construído ao longo de anos de relações profissionais ou de amizade.

Por isso, fazer parte de um grupo no exterior significa tanto para quem participa dele. No dicionário, o termo "coletivo" significa um conjunto de indivíduos que formam uma unidade em relação a interesses, sentimentos ou ideias comuns. Estamos falando de pessoas que escolheram estar juntas e desenvolveram um sentimento de pertencimento. Eu pertenço às ideias e afetos que circulam neste grupo de pessoas. Não se trata de todos terem a mesma opinião sobre tudo. Muito pelo contrário: neste coletivo, as diferenças são respeitadas.

No coletivo de psis, existem diferentes abordagens, formas de atuação profissional e opiniões sobre uma série de questões que envolvem o exercício da profissão. E, mesmo assim, o pertencimento é soberano. Naquele espaço, sei que minha existência será vista e respeitada. Ali, terei voz e escutarei outras vozes.

Os psicólogos imigrantes não vivenciam as mesmas experiências migratórias. Ninguém o faz, nem mesmo os membros de uma mesma família. Mas todos ali sabem o que é estar em um país diferente, buscando um espaço de atuação e a validação de suas competências.

Hoje foi um dia em que me senti pertencente a um grupo novamente. Em outro país, sei que isso é raro. Foi um privilégio.

16 janeiro, 2025

O luto do diploma

Na decisão de mudar de país, o sentimento de luto é natural. Junto do planejamento migratório, surge também a necessidade de preparo emocional para lidar com as perdas. Mas há um tipo de luto especialmente difícil: o luto do diploma.

Vou compartilhar um pouco da minha experiência com este tema:

Estou vivendo uma recolocação profissional pela primeira vez após dez anos e em um país diferente. É um desafio que, muitas vezes, me fez questionar meus conhecimentos e competências. Será que não sou mais tão boa quanto antes? Será que esqueci tudo o que aprendi?

Passei anos construindo minha formação: muitos diplomas (tantos que nem couberam na mala para mudar de país!), cada um representando o esforço, o suor e as lágrimas que valorizaram minha trajetória profissional. Conquistei um currículo sólido e reconhecimento no mercado de trabalho. Mas, no exterior, isso parece não ser suficiente.

A universidade que você cursou, os serviços onde trabalhou, as centenas de horas de aulas ministradas — tudo parece ser apenas detalhe diante das exigências das vagas de emprego. Aqui, não existe aquele amigo de infância que pode te indicar, o professor que se lembra de você da faculdade, ou a rede de contatos que torna as coisas mais fáceis. É preciso começar do zero: entender o mercado, se adaptar e buscar informações para se preparar melhor.

Iniciar uma carreira aos 18 anos é estimulante, cheio de possibilidades. Mas recomeçar depois dos 40, com 20 anos de formada na segunda graduação, é um exercício constante de resiliência.

Recolocar-se profissionalmente em um novo país exige aceitar que interesses e demandas profissionais podem ser bem diferentes. Isso implica recomeços: novos cursos, novos colegas, novos desafios, e o desejo de, mais uma vez, ser reconhecida pela excelência. Entender o mercado de trabalho local, sem uma rede de apoio, pode parecer uma missão impossível, mas é um caminho necessário.

Manter a motivação para estudar, enviar currículos e participar de entrevistas enquanto as contas chegam numa nova moeda redefine o que entendemos por "sobrevivência".

Diante dos obstáculos que abalam nossa segurança profissional e nos fazem pensar em desistir, é essencial persistir. Seu conhecimento e sua experiência são parte de você e têm valor onde quer que esteja. Eles podem ser adaptados e aplicados. Valorize sua trajetória e não tenha medo de arriscar.

As oportunidades surgem para quem aceita o desafio de se reinventar, mesmo quando isso dói. Hoje, eu caminho como alguém que acabou de se reinventar enquanto psicóloga em Portugal, trazendo comigo 18 anos de experiência clínica. É contraditório, mas c'est la vie.

30 dezembro, 2024

Os desejos para 2025 não têm preço

Este é o período dos desejos de fim de ano. Normalmente, pedimos coisas que o dinheiro pode comprar. Para imigrantes, isso pode ser ganhar na moeda local, ser bem-sucedido, comprar um carro ou uma casa. Esses interesses são válidos e importantes, mas, em 2025, meus desejos são por aquilo que o cartão de crédito não paga:

  • Saúde para mim, familiares e amigos. Estar doente em outro país, muitas vezes sem dominar a língua, é angustiante. Não receber salário por adoecer, não estar incluído no sistema de saúde ou não conhecer médicos de confiança agrava a incerteza. Além disso, estar nos Alpes Suíços e saber que um familiar foi internado tira o brilho de qualquer viagem. Para imigrantes, o grande terror, além das burocracias, é receber a notícia de que alguém amado está mal de saúde, gerando um profundo sentimento de impotência.

  • Viver em paz. Sei que o conceito de paz é pessoal. Mas, eu acredito que estar cercada de pessoas queridas, trabalhar dignamente, aproveitar a cultura local e as diferenças da língua, clima e relações sociais pode ser enriquecedor. Tudo depende do olhar. Ter dinheiro não exclui o desafio da adaptação e, conseguir passar por esse processo em paz, é quase um sonho.

  • Reconhecimento fora do seu país. Ser valorizado profissionalmente em outro país é uma conquista indescritível. Mesmo com investimento financeiro, o retorno vem quando seu trabalho é reconhecido.

  • Acompanhar o crescimento dos filhos. Ver sua filha fazer amizades, falar a língua local, receber elogios da professora, interessar-se pela cultura e provar a comida típica é um sinal de adaptação. Isso depende mais da dedicação familiar do que de dinheiro.

Este texto também serve para quem não é imigrante: adapte para sua realidade e reflita sobre o que deseja.

Quando realizamos esses desejos essenciais, o dinheiro se torna consequência — e muito bem-vindo, claro! Mas a vida no exterior ensina a valorizar o que não se compra, mas se conquista.

Um feliz 2025 a todos e todas! Que seus desejos se tornem realidade!






15 dezembro, 2024

Você está disposta(o) a perder?

       Tudo na vida envolve ganhos e perdas. A decisão de morar fora do Brasil, obviamente, também está incluída nesse binômio. E, se você está decidido a arrumar as malas, se despedir das pessoas e partir para o mundo, acredito que os ganhos superem as perdas dessa escolha.

        Mas, e se eu te disser que, muitas vezes, o que se perde é maior do que você imaginava? Não há manual ou receita que te prepare para todas as perdas envolvidas no processo de dizer adeus às suas raízes existenciais. Assim como ninguém consegue descrever exatamente como é a experiência da maternidade, o mesmo acontece com a migração. É claro que o preparo — fundamental para ser uma boa mãe ou um(a) imigrante consciente — ajuda, mas ele não cobre tudo.

       Não há como se preparar para os primeiros dias em um novo país, quando seu senso de direção não existe e todos os caminhos parecem levar a lugar nenhum. Não há preparo para o frio que faz doer as extremidades. Não há preparo para dirigir na mão contrária. Não há preparo para ouvir várias vezes a mesma frase (mesmo que seja em português), não entender e perder a coragem de dizer: "Por favor, você pode repetir?" (e isso poderia ser em diferentes idiomas!).

     Quando chegamos a Portugal, estávamos afetados pelo fuso horário, pelo estresse emocional do desapego, das despedidas e da ansiedade. A primeira semana em solo lusitano simplesmente se apagou de nossas memórias. Não lembramos dos lugares que visitamos, onde comemos ou o que compramos. A experiência de vivenciar algo extremamente novo e angustiante foi tão intensa que nossas primeiras vivências aqui não se fixaram como memória de longo prazo. Foi um fenômeno coletivo: nossas lembranças desse período se perderam no meio das preocupações com a falta de utensílios de cozinha, de comida, de roupas e da localização geográfica. Esse tempo se tornou cinza, cinzas, branco para nossa família.

      Ninguém está pronto para perder. Para alguns, isso significa a perda de contato com as pessoas que amam. Para outros, o desligamento de um emprego satisfatório. Há quem perca a capacidade de se comunicar, e muitos perdem a liberdade — seja financeira, emocional ou ambas. E todos, sem exceção, perdem um pouco do reconhecimento de si mesmos. Para viver esses novos momentos, será necessário que outras características suas (re)apareçam. E, muitas vezes, você não se reconhecerá em algumas situações.

        Poderíamos falar dos ganhos da decisão de explorar o mundo e sair da zona de conforto. Mas hoje escolhi falar das perdas, porque são elas que deixam marcas neste momento.

       É possível se preparar, inclusive emocionalmente, para uma mudança de vida. Psicólogos interculturais ajudam pessoas a construir um caminho mais maduro para o processo migratório. E as dores das perdas podem — e devem — ser trabalhadas em terapia, buscando uma ressignificação diante de uma nova experiência existencial. Contudo, a pergunta sobre o quanto você está disposta(o) a perder deve surgir. No processo migratório, as perdas podem ser menores que os ganhos, mas reverberam com uma intensidade até então desconhecida.

        E aí, o quanto você está disposta(o) a perder para poder ganhar?

13 dezembro, 2024

Quem sou eu?

 


Olá, eu sou a Priscila Monteiro! 👋

Minha trajetória profissional começou no Jornalismo, onde descobri minha paixão por ouvir histórias, mas senti que queria algo além de escrevê-las.

Em 2006, formei-me em Psicologia, com especialização em Saúde Mental e Mestrado em Saúde Coletiva. Atuei nas áreas de Psicologia Social, Reabilitação e Hospitalar e, nos últimos 12 anos, trabalhei na Saúde Mental em um serviço público, atendendo adolescentes e adultos com diferentes tipos de sofrimento psíquico.

Durante 10 anos, fui professora universitária, lecionando disciplinas voltadas para saúde mental, desenvolvimento humano e Psicologia Hospitalar.

Hoje atuo como psicóloga clínica intercultural e supervisora, realizando atendimentos e supervisões online. Também ofereço mentorias para ajudar as pessoas a se prepararem emocionalmente para a migração ou aprimorar sua saúde mental em novas culturas.

Em 2024, enfrentei o desafio do meu próprio processo migratório, quando decidi morar em Portugal com minha família.

Aqui compartilho conteúdos de saúde mental, processos migratórios, adaptação cultural e curiosidades sobre a vida fora do Brasil. 🌏

Espero que este espaço seja acolhedor e que se construa uma comunidade de apoio e trocas.

Seja bem-vinda(o)! 🥰

Bem-vindo ao Reflexões de uma Psicóloga Viajante




A ideia de criar este blog surgiu do desejo de transformar em palavras minhas vivências como psicóloga e imigrante em Portugal. Aqui, você encontrará um espaço dedicado a explorar a Psicologia Intercultural, discutir os desafios emocionais da migração e refletir sobre as nuances de viver fora do Brasil.

Minha intenção é unir teoria e prática, trazendo conteúdos que mesclam conhecimentos fundamentais da Psicologia, experiências pessoais e histórias reais sobre a adaptação em novos contextos. Este é um lugar para falar sobre saúde mental no exterior, as emoções que surgem ao encarar mudanças tão significativas e como lidar com os desafios e aprendizados do processo migratório.

Ao longo dos textos, você pode esperar reflexões sobre adaptação cultural, resiliência emocional, dicas práticas para enfrentar desafios psicológicos, e até curiosidades sobre viver em outros países. Minha intenção é que este espaço também se torne uma oportunidade de troca: um ponto de conexão onde experiências pessoais e profissionais se encontram para inspirar e informar, sejam as minhas ou de vocês, leitores.

Seja para aprender mais sobre Psicologia, refletir sobre suas próprias experiências ou buscar inspiração para trilhar o seu caminho, espero que este blog seja acolhedor, informativo e, acima de tudo, um espaço de crescimento.

Lembre-se de que você não precisa atravessar este processo migratório sozinho. A psicoterapia te auxiliará a enfrentar os desafios de forma emocionalmente saudável.